LANÇAMENTO LITERÁRIO MARIA JOÃO RUIVO UM PUNHADO DE AREIA NAS MÃOS, ED LETRAS LAVADAS
APRESENTADO POR BRITES ARAÚJO
Em vésperas de publicação...
7 de março, 15
Às
vezes pouco acontece que me apeteça vir aqui contar. Até porque o que
mais poderia ter interesse nem sempre pode sair de nós. E andamos nisto.
Um Diário, pela sua própria designação, deveria marcar presença todos os
dias. Mas como arranjar forças e coragem para entrarmos em nós dia a dia
e contarmo-nos por dentro? Fazer isso porquê? Para quem? Posso até achar
que é importante para mim. Porque contar-me obriga a uma auto análise constante,
entrando e saindo no mais fundo do que sou. Vendo-me por dentro,
primeiro, e depois de fora, como se fosse um outro. Mas eu não sou um
outro. E nem sei se consigo analisar o que mais profundo há para
analisar em mim. Também por isso, este Diário vai saindo assim
intermitente, como acontecia com o novelo de Penélope.
E repito que nem tudo pode sair de nós e ser assim colocado a nu,
exposto em praça pública. Não necessariamente por ser incontável, mas
por ser, aos olhos de muitos, incompreensível, logo, inútil. Por isso
sinto que, na escrita de um Diário, há sempre uma mutilação inevitável.
Não que se minta no que se escreve, mas porque se omite muito do que se
poderia dizer. Não consigo deixar de refletir sobre esta escrita íntima.
E sobre até que ponto poderá e deverá ser íntima.
Na verdade, a escrita não é pacífica. Penso nisto com frequência.
Questiono se estará na hora de publicar estas páginas que vou
escrevinhando e nunca tiro uma conclusão absolutamente segura. Acho que
isto poderá interessar a um núcleo muito reduzido de pessoas, e a
Literatura não é isso. Deve ter uma dimensão universal e intemporal. Que
significado poderão ter estas páginas escritas por mim, incógnita
habitante deste Penedo da Saudade onde vivo? O que refletem elas de
importante para além do sentir que é meu e das coisas que são pertença
do meu dia-a-dia?
No entanto, não nego que começo a precisar de me libertar deste primeiro
volume que ando tecendo há anos demais. É um pouco como o que acontece
quando achamos que é bom os filhos deixarem o ninho para se fazerem à
vida. Penso que preciso dessa prova. Libertar este Diário, deixar que
ande pelos seus próprios passos, na esperança de que vingue junto de
alguém. Contrariando um pouco esse desejo íntimo de universalidade,
pergunto se valerá a pena. Nem que seja por uma pessoa só a quem ele
possa dizer alguma coisa de interesse. Valerá a pena?
MJRuivo