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Macau: Uma China Em Português

Roberto Maxwell
ruínas da Igreja de São Paulo, Macau
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Roberto Maxwell · Japão , WW
6/10/2008 · 100 · 6
 

É menos de uma hora de viagem, vindo de Hong Kong. Mas, o desembarque no cais transporta o viajante para um outro mundo. Se a ex-colônia inglesa é conhecida pelos imensos arranha-céus e um certo quê de cidade futurista, Macau ainda é visto apenas como um exótico enclave português na Ásia. Já dentro da barca é possível ver as pontes antigas e as placas no idioma de Camões. A última flor do Lácio divide espaço com os onipresentes kanjis — os caracteres chineses — de forma tão harmônica que parece natural que seja assim. No desembarque o cheiro de maresia lembra o clima de uma pequena cidade litorânea do nordeste brasileiro. Não fosse o rosto chinês da funcionária da aduana, poder-se-ia esperar a aparição de Gabriela Cravo e Canela em pessoa para um aceno de boas-vindas. As placas, em português e chinês, deixam o forasteiro ainda mais confuso e sem referências.

Do lado de fora, taxistas afoitos disputam os passageiros. Troca de dinheiro? Pode ser de ienes japoneses para patacas. No ponto de ônibus, um tanto de desleixo e carros tão antigos e surrados que não deixam a dever em exotismo a nenhuma parada de interior do Brasil. As coisas ficam mais confusas quando o coletivo chega: kanjis ilegíveis para a grande maioria dos estrangeiros dividem a vista com nomes como “Hotel Lisboa” e “Portas do Cerco”. Ruelas, construções, tudo colabora para ativar a lembrança do viajante brasileiro que está há muito longe de seu país de origem. Um muito de Portugal e, por conseqüência, de Brasil que exala da paisagem faz de Macau um lugar mais que especial para o mundo lusófono, um pequeno mundo português em plena China.

Como isso tudo foi parar ali?
Os brasileiros desconhecem Macau, assim como sabem pouco ou nada sobre o Timor Leste e Goa (Índia), outras ex-colônias portuguesas na Ásia. Os lusos começaram a desembarcar no local onde hoje fica a cidade em meados do século XVI, cerca de 50 anos após sua chegada ao Brasil. Macau, por sua posição estratégica, atuava como um entreposto entre a Índia, a China e o Japão. Até 1573, a presença de portugueses no local era tolerada embora não fosse legal. Mesmo assim, já havia diversos traços da presença destes comerciantes europeus e, a partir daquele ano, o que o governo chinês fez foi legalizar a presença dos entrepostos portugueses e, claro, receber a sua parte em pesados impostos. Estava criado o primeiro entreposto comercial europeu na Ásia.

A ex-colônia deve o seu nome à deusa do céu, A-má. O nome original — Amagau, que significa Baía de A-má — foi sendo transformado até chegar a forma atual, Macau. No século XVII, já completamente administrada pelos portugueses, a cidade foi invadida pelos holandeses e, mesmo despreparada, conseguiu resistir. Desde então, um governador diretamente nomeado pelo governo português passou a dividir a administração da cidade com o existente Leal Senado. Foi neste século, também, que Macau recebeu seu exótico nome completo: Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, Não Há Outra Mais Leal. A razão para tanta pompa se deve ao fato de que, mesmo durante o período em que Portugal esteve sob o domínio da Coroa Espanhola, a cidade jamais baixou a bandeira portuguesa, ao contrário do que ocorreu em todas as outras colônias.

Com a decadência do Império Chinês e a crescente influência inglesa durante o século XIX, Macau perdeu gradativamente sua importância como entreposto comercial. Portugal também via seu império decair, principalmente depois da perda de sua mais importante colônia, o Brasil. Temeroso em perder a soberania de Macau, o governo português decidiu, finalmente, acabar com o poder do Leal Senado e centralizar a administração nas mãos do governador. Além disso, foi paulatinamente reforçando as defesas, ocupando as áreas ao norte e as ilhas de Coloane e Taipa até que, finalmente, aboliu o pagamento de impostos aos mandarins chineses. Em 1887, o governo português forçou o enfraquecido governo imperial da China a assinar um tratado que garantia a ocupação perpétua da região por Portugal e outros detalhes de seu interesse. Macau, estava, enfim, sob o completo domínio português.

E os chineses?
Como pode-se imaginar, a população chinesa de Macau não aceitou de bom grado a presença de portugueses no território. Afinal, como ocorreu no Brasil, as terras da cidade tinham moradores antes da chegada dos europeus e, portanto, estes seriam os “donos da terra”. Porém, as tensões entre portugueses e chineses só ganharam grandes dimensões durante a Segunda Guerra Mundial quando a China foi ocupada pelos japoneses e o governo de Portugal acusado de ser conivente por aceitar uma embaixada do Japão em seu território. A tal embaixada agia como centro de espionagem de dissidentes. Durante a Revolução Maoísta na China, os rebeldes comunistas se insurgiram contra a administração portuguesa e, em dezembro de 1966, ocorreu o Motim 1-2-3. Na ocasião, grupos populares liderados por rebeldes defensores da Revolução Maoísta se amotinaram contra o governo de Macau. Apesar de o motim ter sido controlado, a situação na colônia era de instabilidade e muitos portugueses abandonaram a cidade. Os chineses locais adotaram a política dos três-nãos: não pagar impostos, não fornecer serviços públicos aos portugueses e seus descendentes e não vender produtos a eles. Finalmente, o governo macaense acatou as reivindicações da comunidade chinesa e assinou um acordo renunciando à ocupação perpétua de Macau.

A Revolução dos Cravos que abalou Portugal em 1974 designou a independência imediata de todos as colônias portuguesas ainda existentes. Porém, o governo comunista chinês não aceitou a transferência imediata de Macau e apelou para uma passagem gradual. Finalmente, em 1999, a cidade passou ao controle chinês e hoje é considerada uma Região Administrativa Especial (RAE) que mantém um governo próprio, com emissão de vistos e passaportes e outros procedimentos administrativos independentes das decisões de Beijing.

O que fazer em Macau?
Macau possui o mais belo conjunto arquitetônico europeu do Sudeste da Ásia e só isso já vale a visita ao pequeno enclave. A RAE é formada por quatro regiões: Macau, uma península no continente e o complexo insular dividido em Taipa, Cotai e Coloane. No passado, Taipa e Coloane eram duas ilhas que foram unidas por um aterro que ficou recebeu o nome de Cotai. No continente fica a área que foi transformada em Patrimônio Histórico Mundial, onde se localiza o mais famoso sítio histórico de Macau, as ruínas da Igreja da Madre de Deus mais conhecida como Igreja de São Paulo. Atualmente, existe apenas a escadaria e a parte frontal da construção, a qual é considerada uma das mais raras peças arquitetônicas da Ásia. Com 23 metros de largura e 25,5 de altura, a fachada de granito exibe uma harmônica mistura de influências européias e asiáticas, em seu estilo maneirista/barroco com pitadas de outras escolas estéticas. A fachada foi construída em cinco níveis relacionados aos cinco passos da divina ascensão. Mesmo quem vai sem muitas informações consegue notar a riqueza da decoração da construção, talhada por cristãos exilados japoneses no século XV e que mostra imagens bíblicas, representações mitológicas, crisântemos japoneses, leões chineses dentre outras referências.

Outro local bastante visitado é o já citado Templo de A-Má, a deusa do céu. Assim como a Igreja de São Paulo, o complexo é marcado pela variedade de estilos e influências. No local há cinco pavilhões cercado de áreas verdes, cada um reservado ao culto de uma divindade, mostrando a tolerância entre as crenças budistas, confucionistas e outras. As cinco estruturas foram construídas em épocas distintas e a mais antiga data de 1488, tendo a configuração atual sido finalizada em 1828.

Com a transformação em Patrimônio Histórico Mundial, o Centro Histórico foi restaurando e está tinindo de novo, com uma vida agitada, sobretudo por causa dos turistas. Na época do Natal, costuma haver missa, cantata e outros rituais católicos que atraem não somente os fiéis, mas pessoas de outras religiões. É possível visitar a área em um passeio a pé de um dia. Basta disposição para subir ladeiras. No belo Largo do Senado — cercado de prédios históricos e todo em pedra portuguesa, a mesma que tornou famosas as ruas de Copacabana, no Rio de Janeiro — há um escritório de informações turísticas onde se pode obter um mapa com as melhores rotas para o passeio a pé pelos prédios antigos.

Andar nas Ruas da Felicidade ou nas Avenidas Almeida Ribeiro e Horta e Costa é um convite à gastronomia chinesa popular. São doces, petiscos e outros alimentos que parecem estranhos ao olhos dos ocidentais, mas são deliciosos. Além disso, é possível provar coisas exóticas como barbatana de tubarão. Os vendedores são generosos na prova, mas eles ficam visualmente desapontados quando o cliente não leva nada. Outra oportunidade bacana é a de ter acesso a frutas com sabor tropical por um preço baixo. Laranjas, bananas e outras frutas são vendidas em quitandas muito parecidas com as brasileiras. Macau também pode ser um paraíso para os que apreciam comida portuguesa. Há vários restaurantes onde se pode comer e beber à lusitana, sem gastar muito. Até restaurante brasileiro há no local. Chama-se Yes, Brasil e fica na Travessa da Fortuna, próximo as ruínas da Igreja de São Paulo. A reportagem, porém, não pôde provar o sabor da comida da goiana radicada em Macau há mais de 10 anos porque a casa estava fechada para o feriado natalino.

O jogo
Macau vem sofrendo grandes transformações desde que saiu do controle português para o chinês. Vê-se isso claramente na paisagem. Além da revitalização do centro histórico, a região vem investindo pesado na indústria do jogo para atrair visitantes. A maioria das grandes construções em andamento na cidade é de futuros cassinos, todos eles tentando arrancar do outro os títulos de maior ou mais famoso ou mais lucrativo da Ásia. Porém, o de mais tradicional é, e ninguém tira, do Cassino Lisboa. Apesar de toda a pompa, os clientes, em sua maioria novos ricos da China e de Hong Kong, começam a se bandear para os lados dos empreendimentos recentes como o Sands que traz o know-how da indústria de Las Vegas. A mais recente novidade é o The Venetian Macao Resort Hotel que já é considerado o maior cassino da Ásia. Como o nome já diz, além do jogo, o cliente encontra outros serviços, como estadia e shows. Recentemente, apresentaram-se por lá o Black Eyed Peas e a cantora Beyoncé. São cerca de 3000 quartos, 840 mesas de jogo e 3400 máquinas. Tudo isso assistido por mais de 16000 funcionários. Para apostar, os clientes precisam ser maiores de 18 anos. Os cassinos são equipados com caixas eletrônicos e outras facilidades para quem precisa ter dinheiro sempre a mão.

Compras
Macau é um excelente local para compras. Os produtos locais com melhor custo benefício são as roupas. A região possui muitas confecções que produzem, principalmente, para exportação. Por isso, os preços são baixos se comparados aos do Japão, por exemplo, e tamanhos grandes são mais facilmente encontrados. As melhores lojas são encontradas nas ruas no entorno do Largo do Senado.
Para os colecionadores e compradores de antigüidades, há algumas boas opções. De lojas de mobílias chinesas até mercados de rua, vende-se de tudo. Esse tipo de comércio pode ser encontrado próximo às Ruínas de São Paulo. Já os vendedores de rua estão em toda parte do Centro Histórico, principalmente na área ao redor das ruínas que se conecta com a ruas Santo Antônio, São Paulo e das Estalagens. Vinhos e produtos portugueses também podem ser encontrados em Macau por um preço bastante razoável.
A moeda local é a pataca que tem mais ou menos o valor do dólar de Hong Kong. Uma coisa interessante é que os locais se referem ao dinheiro como “Macau dollar” (dólar de Macau). Apesar do valor numericamente semelhante, ao comprar produtos com o dólar de Hong Kong, o turista está pagando um pouco mais caro por eles. Isso porque os vendedores usam um câmbio informal de 1 para 1, quando a moeda da ex-colônia inglesa é muito mais forte. Portanto, cuidado nas compras e, principalmente, não deixe a cidade com muito dinheiro local porque o câmbio fora da região é difícil e desvantajoso.

O governo local dá uma dica aos turistas: não aceite indicações de taxistas ou de pessoas no aeroporto ou no terminal de barcas de locais onde se ofereçam produtos com desconto a estrangeiros. Em geral, são promoções-fantasmas ou produtos de origem duvidosa. Procure sempre as lojas nas áreas comerciais, onde você possa ver outros clientes comprando.

Outras dicas
Apesar da belíssima costa, Macau não é um destino muito procurado para quem gosta de praias. Porém, há duas praias em Coloane para quem não abre mão de uma refrescadinha. Cheoc Van é uma pequena e charmosa praia freqüentada por locais e estrangeiros. Além desta, há a de Hac Sa, pouco conhecida, principalmente por causa da água escura, que não é convidativa.

No mais, apesar de todas a história que conecta Macau e Portugal, não se deixe levar pela abundância de placas escritas em português. De fato, a língua é uma das oficiais da cidade e documentos, avisos e tudo o mais deve ser escrito no idioma luso e em cantonês. Porém, estima-se que apenas 1% da população seja de descendência portuguesa e, portanto, fale dos ancestrais. Nos serviços públicos é mais fácil de encontrar gente fale português. Aliás, o número de falantes de inglês na população local também é bastante pequeno. Porém, é possível se localizar com facilidade por causa das placas escritas no idioma de Camões.

A Doci Papiaçam de Macau
Diferente do que ocorreu no Brasil, a ocupação portuguesa de Macau não fez com que o português se tornasse uma língua falada entre a população originária local. Porém, o contato entre portugueses e chineses deu origem a um dialeto que ficou conhecido como patuá ou crioulo de Macau. Crioulo é o nome que se dá aos idiomas que nascem do contato entre duas outras línguas, em especial àqueles formados no período das colonizações européias na África e na Ásia. Os crioulos são erroneamente considerados como um modo incorreto de falar a língua européia adotado pelos nativos das áreas colonizadas ou os descendentes mestiços dos colonizadores. A palavra “patuá”, por exemplo, vem do francês patois que significa “língua rude”. No entanto, os lingüistas atribuem imenso valor cultural a esses dialetos e línguas.

O patuá de Macau teve origem no século XVI e tem influências de diversas línguas além do português, do mandarim e do cantonês. Era usado como meio de contato entre os navegadores portugueses e a população local. Gramaticalmente simplificada, a língua foi se desenvolvendo e conquistando adeptos que a achavam mais funcional e fácil de entender que o português ou o chinês, por exemplo.

Os estudiosos dividem a história do patuá de Macau em duas épocas: a arcaica, até o século XIX e a moderna, existente até hoje. Apesar de sua popularidade entre os macaenses e os comerciantes chineses, o patuá não tinha status de língua na época de seu apogeu, no século XIX. As autoridades portuguesas não reconheceram o patuá oficialmente e, por isso mesmo, a população usava a língua em oposição aos poderosos. Porém, os registros escritos são poucos e o único literato a usar o patuá foi José dos Santos Ferreira, o Adé, o qual escreveu, inclusive, uma gramática da língua.

Atualmente, a doci papiaçam de Macau está em vias de extinção. Em Macau, apenas os mestiços macaenses mais velhos falam a língua. Há falantes de patuá em outras áreas de alta imigração de macaenses, inclusive no Brasil. Porém, há estimativas de que o número total de falantes não passe 8 mil. Estudiosos e amantes da língua estão tentando transformar o patuá em Patrimônio Imaterial da Humanidade, uma forma de salvar a língua da extinção.

Poema em patuá e sua tradução para o português
Língu di gente antigo di Macau
Lô disparecê tamên. Qui saiám!
Nga dia, mas quanto áno,
Quiança lô priguntá co pai-mai
Qui cuza sä afinal
Dóci papiaçam di Macau?


A língua da gente antiga de Macau
Vai desaparecer também. Que pena!
Um dia daqui a alguns anos
A criança perguntará aos pais
O que é afinal
A "língua doce" de Macau?

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Hermano Vianna

adorei Macau - escrevi este texto com algumas impressões pós-viagem - pena que tão pouca gente fale a doci papiaçam hoje - mas quem sabe essa tendência não muda - escrevi rapidamente sobre a procura de raízes macaenses dos eurasianos de Cingapura aqui - e sobre identidade goesa na internet aqui - às vezes a TV Brasil reprisa o Além-Mar, série que traz imagens e reflexões sobre esses lugares todos

Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 5/10/2008 22:50
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Roberto Maxwell

Eu li o seu texto sobre Macau antes de viajar. Eu sempre, desde pequeno, quis conhecer Macau. Ficava vendo nos livros de geografia e imaginando o que era falar português na China. Também tenho vontade de conhecer Goa.

Roberto Maxwell · Japão , WW 7/10/2008 11:11
2 pessoas acharam útil · sua opinião: subir
Ilhandarilha

Lembrei de um documentário maravilhoso chamado Língua, vidas em português, sobre pessoas e países que falam português. No documentário tem um pouco de Goa. A mistura Índia / Portugal ficou bem baiana, achei. heheh

Ilhandarilha · Vitória, ES 7/10/2008 12:11
2 pessoas acharam útil · sua opinião: subir
Roberto Maxwell

Esse filme é realmente um dos que eu mais gosto!

Roberto Maxwell · Japão , WW 7/10/2008 12:12
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Giovanni Guidi

Muito interessante o seu texto. Gostei também das imagens.
Sucesso.
Votado.

Giovanni Guidi · Piracicaba, SP 7/10/2008 14:12
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Ilhandarilha

Que legal que vc já viu o Língua. Ele é muito bom mesmo. Tentei achar o dvd para comprar, pq é uma ótima referência para o meu projeto, mas não achei. quem souber o paradeiro do filme, me fala, por favor!

Ilhandarilha · Vitória, ES 7/10/2008 20:51
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