O Português é uma
língua nascida no Noroeste da Península Ibérica, que cresceu para sul.
Inicialmente um conjunto de dialetos provinciais (galego-portugueses),
passou a língua da nação e depois a veículo de um império; hoje, é uma
língua transnacional e transcontinental. A autonomização do
galego-português
a partir do século VII na antiga província romana
Gallaecia
et Asturica
(Galiza, Norte de
Portugal, Ocidente e Astúrias) é denunciada por dois fenómenos de
mudança fonética que afetam profundamente o seu léxico:
palatalização
dos grupos iniciais
pl-, kl-, fl-, para a africada
palatal surda ts-: plicare > tsegar >, chegar; clamare >
tsamar > chamar; flagrare > tseirar > cheirar;
enfraquecimento e síncope
das soantes intervocálicas latinas – n - e - l -:
bene > bee > bem; mala > maa > má.
Distinguem-se na
história do português dois grandes ciclos: o da
elaboração da língua,
desenvolvido entre os séculos IX e XV na esteira da reconquista do
território dos Árabes; este foi repovoado pelos povos do Norte, que
transplantaram a sua língua para o Sul, onde ela se transformou pelo
contacto com a língua local e pela mistura, nas novas terras, de
dialetos que no Norte se achavam separados. Os dialetos da terra de
reconquista são, por isso, mais homogéneos que os seus parentes mais
velhos do Norte. Por outro lado, a transferência do poder para o Centro
do Reino, com capital em Lisboa, fez que a partir do século XV os novos
dialetos falados nessa região ganhassem ascendente sobre os do Norte e
fossem a base de uma norma culta de características meridionais, que
seria vista como a língua nacional.
As origens da língua
escrita vinham do século XII: uma breve
Notícia
de Fiadores,
de 1175, é o documento mais antigo, hoje conhecido, que procura
representar a língua que se falava; curiosamente, foi produzido no mesmo
círculo em que, por 1196, seria escrita a mais antiga cantiga
trovadoresca,
Ora Faz
Ost'o Senhor de Navarra,
de João Soares de Paiva. Depois, vários documentos, entre os quais
avultam o Testamento de 1214 do rei Afonso II e a contemporânea
Notícia de Torto,
atestam do crescente uso do português escrito, até que a partir de 1255
começa a produção regular de documentos escritos em português, seguindo
o exemplo da Chancelaria de Afonso III. Ao mesmo tempo, crescia a
produção de textos literários (lírica trovadoresca, tradução de novelas
francesas de cavalaria, literatura de espiritualidade), graças aos quais
é possível observar as mudanças que a língua sofreu e que, por graduais
transições, a levaram a transformar-se na língua clássica. As principais
mudanças são:
no plano
fonético,
eliminação de hiatos, convergência para o ditongo –ão das
terminações nasais em –õ, -ã e –ão
hiático, elevação para –u do –o final átono
dos nomes, queda do – d – intervocálico na
segunda pessoa plural dos verbos (amades > amaes > amais), início da
redução para duas do sistema de quatro sibilantes;
no plano
morfológico,
regularização de paradigmas verbais (substituição de formas irregulares
por formas analógicas) e nominais (mudanças de género);
no plano
lexical,
entrada de cultismos por relatinização.
O segundo grande ciclo
da história do português consiste na
expansão
da língua:
o período de finais do século XIV a inícios do século XVI é aquele em
que a língua mais radicalmente se transfigura. Enquanto se
reestruturava
e consolidava dentro de portas, a língua portuguesa começa a expandir-se
para fora da Europa, pelo que, a partir de aqui, é preciso distinguir
entre português-europeu e português extra europeu.
Português-europeu:
o léxico enriquece-se por vários motivos: contacto com línguas exóticas,
importação de cultismos latinos e gregos, adoção do castelhano como
segunda língua literária. Afirma-se um padrão nacional, descrito pelos
gramáticos. Os dialetos distribuem-se segundo um mapa muito semelhante
ao moderno. Quanto a estruturas linguísticas, registam-se, a partir do
século XVIII, a fixação da ênclise enquanto posição regular dos pronomes
pessoais átonos, a elevação das vogais fechadas e
ou em posição pretónica, que passam a ser pronunciadas como
e mudo e como u e que, hoje, chegam mesmo a
desaparecer, em forte contraste com a fonética brasileira; nos dialetos
europeus do Centro e Sul de Portugal, simplificação da africada ts
em s e palatalização do –s final de palavra
e sílaba; na região de Lisboa, centralização do ditongo ei
em âi. O som do português europeu não sofreu, depois
disto, alterações significativas.
Português
extra-europeu:
fora da Europa, o português teve dois tipos específicos de atuação,
logo a partir do século XVI: transplantou dialetos de Portugal para
territórios como o Brasil, a África e a Ásia e aí teve desenvolvimentos
próprios, chegando aos nossos dias com plena vitalidade nos dois
primeiros espaços e em estado de relíquia no último (um dos principais
problemas da linguística do português consiste em determinar se as
diferenças que se detetam entre as variedades portuguesa e brasileira
devem ser encaradas a nível de
norma
ou a nível de
sistema);
ao longo do litoral africano e asiático, o português associou-se a
línguas locais para produzir pidgins e crioulos, possivelmente
segundo uma matriz única (o protocrioulo português), que explicaria
semelhanças entre línguas que nunca estiveram em contacto. Este processo
deu, como resultados modernos, a situação linguística de Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e certas áreas do Índico e da Oceânia, onde
predominam crioulos de base portuguesa. Este processo de crioulização
também ocorreu no Brasil, mas uma maciça imigração europeia, constante
desde o século XVI até ao XX, levou a que o português prevalecesse sobre
os crioulos. O mesmo aconteceu em Angola e em Moçambique, com a
imigração dos séculos XIX e XX.
Fonte : Entrada
"Língua Portuguesa" - por : I.Ca. Dicionário Temático
Da Lusofonia Texto Editores (www.textoeditores.com
)
2.
As origens do
romance galego-português |
Depois das invasões germânicas (que no séc. V chegaram à
Península Ibérica), a Europa fragmentou-se politicamente, sendo
o ano de 476 o marco que assinala a queda do Império Romano do
Ocidente. A diferenciação do latim vulgar, que já era uma
realidade linguística na época da unidade política, acentua-se
cada vez mais. Pensa-se que por volta do ano 600 o latim vulgar
não fosse falado em nenhuma região do Império. Por essa época
falar-se-iam novas línguas na Gália, na Ibéria, na Récia, na
Itália, na Dalmácia e na Dácia: eram os romances. Um romance
é uma língua medieval resultante da evolução do latim numa
antiga província do Império Romano.
A autonomização de um romance galego-português a partir do séc.
VII na antiga província Gallaecia et Asturica (Galiza, norte de
Portugal, ocidente de Astúrias) é denunciada por dois fenómenos
de mudança fonética que afetam o seu léxico.
1º fenómeno: palatalização dos grupos iniciais latinos
pl-, kl-, fl- na africada palatal surda
tš
Latim |
Galego-português |
Forma portuguesa
contemporânea |
plicare |
tšegar |
chegar |
clamare |
tšamar |
chamar |
flagrare |
tšeirar |
cheirar |
Esta evolução
ocorreu no noroeste da Península
durante os séculos de permanência dos invasores
germânicos, suevos (411-585) e visigodos (585-711).
2º fenómeno: lenição das soantes intervocálicas
latinas -n- e -l-
Latim |
Galego-português
|
Forma portuguesa
contemporânea
|
manu
|
mão-o |
mão
|
mala |
maa
|
má
|
Este segundo fenómeno terá ocorrido durante a
permanência árabe, logo no seu início. Ele aparece
pela primeira vez atestado no séc. IX (para -n-
> Ø: elemosia) e no séc. X (para -l->
Ø: Froia) e admite-se que tenha sido
posterior a pl-, kl-, fl- >
tš por se encontrar menos difundido no
território português.
Quando se iniciou a Reconquista cristã, promovida no
ocidente peninsular pela monarquia asturiana a
partir do séc. IX, já se falaria no canto noroeste
da Península Ibérica o romance galego-português.
- - -
3. O galego-português
No século XI, com o
início da reconquista cristã da Península Ibérica, o
galego-português consolida-se como língua falada e escrita da
Lusitânia. Os árabes são expulsos para o sul da península, onde
surgem os dialetos moçárabes, a partir do contacto do árabe com o
latim. Em galego-português são escritos os primeiros documentos
oficiais e textos literários não latinos da região, como os
cancioneiros (coletâneas de poemas medievais):
- Cancioneiro da Ajuda -
Copiado (na época ainda não havia imprensa) em Portugal em fins
do século XIII ou princípios do século XIV. Encontra-se na
Biblioteca da Ajuda, em Lisboa. Das suas 310 cantigas, quase
todas são de amor.
- Cancioneiro da
Vaticana - Trata-se do códice 4.803 da biblioteca Vaticana,
copiado na Itália em fins do século XV ou princípios do século
XVI. Entre as suas 1.205 cantigas, há composições de todos os
géneros.
- Cancioneiro
Colocci-Brancutti - Copiado na Itália em fins do século XV ou
princípios do século XVI. Descoberto em 1878 na biblioteca do
conde Paulo Brancutti do Cagli, em Ancona, foi adquirido pela
Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra desde 1924.
Entre as suas 1.664 cantigas, há composições de todos os
géneros.
À medida em que os cristãos
avançam para o sul, os dialetos do norte interagem com os dialetos
moçárabes do sul, começando o processo de diferenciação do português em
relação ao galego-português. A separação entre o galego e o português se
iniciará com a independência de Portugal (1185) e se consolidará
com a expulsão dos mouros em 1249 e com a derrota em 1385
dos castelhanos que tentaram anexar o país. No século XIV surge a prosa
literária em português, com a Crónica Geral de Espanha (1344) e o
Livro de Linhagens, de dom Pedro, conde de Barcelona
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4. O português, antes e depois de Luís
Camões
A língua portuguesa
tem 800 anos. Sua História remonta ao século XII, quando dom Dinis
fundou a Universidade de Coimbra, promovendo o desenvolvimento cultural
de Portugal. " Esse rei-trovador ordenou que fosse usada a língua
portuguesa nos documentos públicos, substituindo a língua oficial
latina", escreve Elis de Almeida Cardoso. Só no século XIV, no entanto,
o português se tornaria a língua de Lisboa. Nessa época, o galego (que
tem semelhança com o português e é falado na Galiza, região da Espanha
ao norte de Portugal) começa a ser visto pelos portugueses como língua
arcaica. É nesse eixo Coimbra -Lisboa que o português moderno vai se
constituir. A divisão da língua portuguesa entre arcaica e moderna se dá
em 1572, com a publicação de Os Lusíadas, de Luís Camões.
Fonte : A Língua que
falamos, de Susana Herculano - Houzel; págs. 75 a 89
Publicado na Revista
Entre Livros
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Ano I Nº 8
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