39.º Colóquios da Lusofonia, Santa Maria, outubro de 2024 (Textos base utilizados para a apresentação do livro “Antologia de Humor Açoriano”)

Humor e literatura – uma convivência pacífica

 

 

 

O importante não é o grito, mas o sussurro ou, melhor dizendo,

mais eficiente que a gargalhada é o sorriso

Mia Couto

 

Neste livro, que reúne 15 autores açorianos, o leitor poderá encontrar excertos de obras literárias que se podem designar por “humor na literatura” e “textos humorísticos”. Julgo ser oportuno, antes de tecer outras considerações sobre este trabalho, e sem pretender imiscuir-me em saberes que não são os meus, listar, ou pelo menos tentar, algumas caraterísticas destes géneros sem que, na opinião que aqui expresso, a essa diferenciação esteja associada qualquer apreciação valorativa.

“Humor na literatura” – o humor é utilizado como um recurso estilístico ou temático dentro de uma obra literária. Não é o objetivo principal da obra, mas sim uma ferramenta para enriquecer a narrativa, desenvolver personagens, ou explorar temas complexos de forma mais compreensível, ou irónica. Pode estar presente em qualquer género literário, drama, ficção científica, romance, conto ou mesmo poesia. O humor constitui-se apenas como recurso, mais ou menos subtil, e serve para subverter expectativas, criticar normas sociais, ou revelar aspetos complexos da condição humana, conquanto coexista de forma complementar com outros elementos literários.

“Textos humorísticos” - são geralmente considerados um género em si mesmo, como comédia, sátira, paródia, ou crónica humorística. Os “textos humorísticos” visam criar, no essencial, situações de entretenimento e humor. Esses textos são criados com o propósito de provocar riso, ou pelo menos um sorriso. O humor é o elemento dominante. E outros aspetos, como a construção do enredo ou dos personagens, são secundários ou servem o propósito de criar situações divertidas que provoquem o riso.

Sendo a principal finalidade provocar o riso os “textos humorísticos” socorrem-se de outros elementos literários para reforçar o seu propósito. A sátira, e a crítica social, económica e política são muitas vezes integradas nos “textos humorísticos” conferindo-lhes maior profundidade e, mesmo mais comicidade.

Pode afirmar-se que o "humor na literatura" é o uso do humor como um componente dentro de uma obra literária mais ampla e complexa, enquanto "textos humorísticos" são obras literárias dedicadas a criar situações de humor que induzem o sorriso, o riso ou a gargalhada compulsiva.

Em Portugal a literatura e o humor sempre conviveram bem, a sátira nas cantigas de “escárnio e maldizer”, mas também na obra de Gil Vicente e de Manuel Maria Barbosa du Bocage, a ironia de Camilo Castelo Branco, o humor mordaz de Eça de Queiroz, apenas a título de exemplo, pois, outros autores recorrem mais ou menos arguciosamente a elementos de humor na construção das suas narrativas. Os textos humorísticos para a “Revista à Portuguesa”, ou ainda, outras manifestações de teatro popular, como são os “Bailinhos” de Carnaval” da ilha Terceira, constituem-se, também, como bons exemplos de um percurso pacífico entre o humor e a criação literária e, contraria a ideia de sermos um povo sorumbático.

A criação literária, a produção de textos humorísticos e o sentido de humor nacional desdizem a construção social da imagem de que os portugueses são um povo taciturno. Outras serão as causas que nos tolhem, mas esse é um outro fado.

Esta obra é mais um contributo para a divulgação da relação do humor com a criação literária e de promoção de autores açorianos, mas não se esgota em si mesmo, pois constitui-se tão-somente como uma pequena mostra do muito que, também na relação do humor com a literatura, se produz nos Açores.

A obreira que esboçou e deu início a esta obra deixou-nos um significativo e relevante conjunto de trabalhos e estudos literários que resultaram da sua paixão pela literatura, pelos Açores e pelas “lusografias”.

A pesquisa e divulgação literária confunde-se, a par do ensino, com a vida de Helena Chrystello, este trabalho é o seu derradeiro contributo.

 

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, agosto de 2024

 

 antes e depois de tudo

Os humoristas dizem coisas sensatas revestidas de loucura,

e loucuras revestidas de sensatez.

Carlo Dossi

 

 

A Helena Chrystello deixou algumas palavras, transcritas abaixo, sobre o que seria o início da sua nota introdutória.

“A comédia teve origem na Grécia Antiga e retrata os seres humanos como seres sociais. É como se o autor, através da encenação, utilizasse peças cómicas como um espelho diante da sociedade. Trata-se de um género crítico burlesco e humorado que satiriza diversos aspetos da sociedade desde os costumes, hábitos, moral, dentro outros.

Acha-se que a comédia é o oposto de drama. No entanto, quando falamos de géneros literários, a comédia é na verdade um tipo de drama. O humor é o estado de espírito de um indivíduo.

- sátiras políticas; critica sociais; humor e estilo burlesco; ironia e sarcasmo.”

 

Não pretendo dar continuidade àquela que seria a “nota introdutória” da Helena, mas esta compilação de textos humorísticos carece de algumas referências para que os leitores e os autores, aqui representados e os que, por razões diversas, não estão incluídos, fiquem na posse de alguma informação sobre os caminhos trilhados até chegar ao produto final.

Este repositório de textos de humor na literatura açoriana procura, ainda que sem o conseguir na sua integridade, dar corpo ao trabalho iniciado por Helena Chrystello a partir de uma sugestão feita por Onésimo Teotónio Almeida, no dia 17 de junho de 2022, logo após a apresentação pública, em Ponta Delgada, do livro “nova antologia de autores açorianos”.

A sugestão foi testemunhada por alguns dos presentes, na sessão de apresentação, que apoiaram e incentivaram a Helena Chrystello a pôr mãos à obra. E não perdeu tempo pois, de imediato aceitou o repto e me convidou a fazer o prefácio, desafio ao qual anuí sem grande resistência, mas sempre dizendo que havia muitas e mais habilitadas opções para a tarefa.

A sua fragilidade, motivada pelo estado saúde que a foi inexoravelmente debilitando até à sua prematura morte, não a impediu de dar início ao trabalho tendo elaborado uma lista de autores e reunido alguns textos. Na fase final da sua vida solicitou ao Chrys Chrystello que me pedisse para eu terminar o trabalho por ela iniciado. A resposta não poderia ser outra: acedi, com a consciência de que este não era (é) um trabalho para o qual estivesse devidamente habilitado e que, com todos os afazeres que já tinha agendados e programados, para 2024, seria uma autêntica maratona. Aceitei o desafio para honrar a memória da Helena Chrystello, cumprindo assim um dos seus últimos desejos.

Esta coletânea de textos de humor de 15 autores açorianos, sendo representativa, é uma parte, uma pequena parte, do que se produziu e produz nos Açores e que poderia ser incluída neste trabalho. De fora ficaram muitos autores, uns por indisponibilidade dos próprios, outros por desconhecimento do organizador, outros ainda por falta de tempo pois, a data para apresentação foi programada, pela Helena, para outubro de 2024 e o tempo escasseou.

Ao ler o índice de autores verifica-se um desequilíbrio de género, em 15 autores apenas 1 mulher. Não foi uma opção da Helena, nem de quem deu continuidade ao seu trabalho, também não se fica a dever à inexistência de autoras que, não fazendo do humor a sua principal opção literária, com maior ou menor subtileza utilizam o humor nas suas criações literárias.

A representatividade geográfica, estando mais equilibrada que a de género, está longe de corresponder à realidade regional e a haver alguma nota crítica, só poderá ser pela sobre representação de autores oriundos da ilha Terceira. Disparidade que pode ser interpretada como os leitores entenderem, mas que também não resultou nem da vontade da Helena Chrystello, nem de quem deu continuidade ao trabalho que ela iniciou. Adveio da disponibilidade dos autores para, logo na fase inicial do projeto, cederem os textos e de uma solicitação feita à margem da lista original que a Helena Chrystello tinha elaborado. Ao longo do trabalho foram feitas algumas insistências junto de alguns(mas) autores(as) que faziam parte da lista elaborada pela Helena, mas o retorno ficou aquém do que seria desejável.  

O humor na literatura e na cultura popular é um campo inesgotável de estudo e que pode merecer a atenção de investigadores e académicos. Esta obra é, como já foi referido, uma pequena e representativa amostra da utilização do humor em diferentes contextos literários e, é nosso propósito contribuir para promover a literatura com humor e os textos literários humorísticos.

Antes de terminar importa relevar o papel e apoio do Chrys Chrystello para que este projeto fosse finalizado. Obrigado Chrys!

Esta obra, para além de outros desígnios, é, antes e depois de tudo, uma singela homenagem à memória da Helena Chrystello e um reconhecimento pelo contributo que, ao longo da sua vida, deu à divulgação e ao ensino da língua portuguesa.

 

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, agosto de 2024