prefácio Professor Malaca Casteleiro

 Colóquio da Lusofonia Prefácio Lusofonografias – Ensaios pedagógico-literários

 Em boa hora Luciano Pereira decidiu reunir nesta obra os seus trabalhos de investigação, tais como comunicações e artigos diversos, quer literários, quer de natureza pedagógico-didática, apresentados no País ou no Estrangeiro, em encontros científicos ou em cursos de formação de professores. E fá-lo com um propósito bem solene: assinalar o seu sexagésimo aniversário. Presta deste modo um serviço de relevo, não só aos seus amigos, colegas e discípulos, que assim o podem mais facilmente ler ou reler, mas também ao público, em geral, que se interessa pelos temas que ele estuda afincadamente com sabedoria e oportunidade.

Tenho tido o privilégio e a honra de vir acompanhando, desde longa data, o percurso pessoal e profissional de Luciano Pereira, intensamente dedicado à língua e cultura portuguesa. Muitos dos textos que inclui nesta obra foram primeiramente apresentados como comunicações em congressos nacionais e internacionais, nomeadamente nos Colóquios da Lusofonia, nos quais também participei, podendo assim testemunhar a sua excelente qualidade, assim como a recetividade e apreço com que foram acolhidas pelo público presente.

Os temas que captam a atenção e o desvelo de Luciano Pereira distribuem-se por áreas tão diversas como a das fábulas, lendas e bestiários, a da representação da serra da Arrábida na literatura portuguesa, nomeadamente em Sebastião da Gama, a da presença de elementos hebraicos ou árabes na literatura popular, a contribuição africana para o fabulário de expressão portuguesa, a da diversificada temática açoriana, etc.

A intenção com que Luciano Pereira publica esta obra é claramente definida por ele próprio na “Apresentação,” nos seguintes termos: “Espero que esta publicação, que foi antes de mais elaborada para e com os meus alunos, não os dececione e seja entendida como uma espécie de percurso pedagógico e científico de um professor em busca das suas raízes e das mais diversas formas de as celebrar.” Esta obra deve, pois, ser entendida como a celebração de um rico, substancial e variado percurso pedagógico-didático do seu Autor.

O estudo do texto literário constitui, neste percurso, o cerne do seu afã docente, conforme destaca, logo no começo do primeiro capítulo: “O texto literário é um espaço de representação e produção cultural, é um precioso adjuvante da construção de identidades, o educando é convidado a construir de forma crítica a sua individualidade, as suas diferentes pertenças, a sua consciência nacional e regional.” E, mais adiante, reforça: “Enquanto espaço interdisciplinar, o texto literário representa o mundo recriando-o, exige deste modo abordagens transdisciplinares e compreensivas levando o educando a formular hipóteses complexas e globais sobre o real, sobre a sua relatividade e sobre as suas lógicas.”

Defensor acérrimo, e em justa causa, da importância dos estudos literários na formação pedagógica, Luciano Pereira dedica particular atenção ao valor formativo da literatura para a infância e para os jovens, demonstrando a relevância dos mitos, das fábulas, dos contos e das lendas na educação dos jovens. Em relação ao estudo do mito, por exemplo, sustenta que “as crianças encontram [aí] o modelo de excelência para poder dar sentido ao mundo e a si próprias”, sendo a fábula uma das suas mais conhecidas expressões. Donde o estudo minucioso que nos oferta sobre um variado tipos de fábulas, nomeadamente literárias. Numa profícua simbiose entre a análise teórica e a prática discente, promove diversificadas experiências pedagógicas, que incluem pesquisas e inquéritos escolares.

Outro estudo, bem singular, que queria distinguir denomina-se “As cores da língua portuguesa como expressão da cultura” e é apresentado no capítulo quarto. Sustentando que “a utilização particular da cor pode ser uma característica particular da estilística de um autor, de uma época ou de uma cultura”, vai procurar “apreender tais características e equacionar a sua transmissão/apreensão e utilização no contexto da língua e da cultura portuguesa”, através de uma consistente pesquisa. Começa, pois, por distinguir, na língua portuguesa, os lexemas básicos da cor, as cores fundamentais, assim como a formação das várias cores compostas e realiza um inquérito em várias turmas escolares dos ensinos básico, secundário e superior, para averiguar o conhecimento que os alunos têm das cores e no qual revelam diversas lacunas.

  Demonstra depois como “os morfemas lexicais determinativos da cor constituem uma base privilegiada para a formação de numerosas palavras pertencentes às mais diversas classes gramaticais (substantivos, adjetivos, verbos, advérbios),” e apresenta diversificados e ilustrativos exemplos. Seguidamente, põe em evidência o modo como os nomes das cores se combinam com outras palavras, assim como a abundância de substantivos que se referem ao mundo mineral, vegetal ou animal e que são caracterizados pelas cores. Evoca depois o valor conotativo das cores que ocorrem em expressões e ditados populares, ilustra de modo significativo e com exemplos literários bem interessantes (de Garrett, D. Dinis, Camões, Eugénio de Castro e Sophia de Melo Breyner) a importância do verde como “cor da nossa cultura.” E termina este original capítulo com a apresentação de várias propostas pedagógicas que visam a aquisição do vocabulário.

Interessante e também muito bem conseguido é o quinto capítulo, intitulado “A valorização do trabalho no contexto do Ensino da Língua e da Cultura Portuguesa,” no qual dá conta da sua diversificada e rica experiência como professor e formador em ações pedagógicas que tem realizado ao longo da sua carreira docente, quer no País, quer no Estrangeiro. Procurando sempre associar o ensino à formação e à pesquisa, descreve as suas experiências de trabalho no contexto escolar e apresenta diversas propostas pedagógicas.

Os capítulos sexto e sétimo são dedicados à representação da Serra da Arrábida na literatura portuguesa, na qual refere um número variado de escritores, com destaque para Sebastião da Gama, e dá exemplos dos respetivos textos.

A presença hebraica e a contribuição árabe na literatura popular também lhe merecem particular atenção e a elas dedica os capítulos nono e décimo, respetivamente. No capítulo décimo primeiro põe em destaque a riquíssima contribuição africana para o fabulário de expressão portuguesa, socorrendo-se de textos de inúmeros escritores africanos, brasileiros, portugueses e outros. A presença do cavalo e do touro nos fabulários, nos bestiários e no imaginário tradicional constitui o objeto de um aprofundado estudo no décimo quarto capítulo.

A temática açoriana (o culto do Espírito Santo, a ilha no imaginário poético, a representação dos Açores na poesia publicada no “Almanaque de lembranças luso-brasileiras” e os mitos e lendas em torno da Lagoa das Sete Cidades) é analisada magistralmente nos capítulos décimo sexto ao. Temas diversos, que não vou pormenorizar, constituem ainda objeto de estudo dos últimos capítulos, sempre reveladores de uma ampla erudição do Autor.

Em conclusão, nesta obra Luciano Pereira revela-se como um excelente investigador que sabe trabalhar adequadamente para que o exercício do seu magistério se torne mais profícuo e inovador, contribuindo deste modo para uma formação mais completa e empenhada dos seus discentes. Nela se revela também como exímio escritor, dotado de um estilo próprio, minucioso e didático. A sua erudição é incomensurável, já que manifesta um profundo e amplo conhecimento das literaturas de expressão portuguesa, da literatura francesa, da cultura clássica e não só. Cada capítulo termina com ricas e atualizadas referências bibliográficas que muito enriquecem a obra e fundamentam mais solidamente as análises apresentadas.          

Lisboa e Academia das Ciências de Lisboa, 17 de junho de 2018

 João Malaca Casteleiro

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